quinta-feira, 10 de junho de 2010

DUAS BOLAS, POR FAVOR - por Danuza Leão

DUAS BOLAS, POR FAVOR - por Danuza Leão
Não há nada que me deixe mais frustrada do que pedir sorvete de sobremesa,contar os minutos até ele chegar e aí ver o garçom colocar na minha frente uma bolinha minúscula do meu sorvete preferido. 
Uma só. 
Quanto mais sofisticado o restaurante, menor a porção da sobremesa. 
Aí a vontade que dá é de passar numa loja de conveniência, comprar um litro de sorvete bem cremoso e saborear em casa com direito a repetir quantas vezes a gente quiser, sem pensar em calorias, boas maneiras ou moderação. 

O sorvete é só um exemplo do que tem sido nosso cotidiano. 
A vida anda cheia de meias porções, de prazeres meia-boca, de aventuras pela metade. 
A gente sai pra jantar, mas come pouco. 
Vai à festa de casamento, mas resiste aos bombons. 
conquista a chamada liberdade sexual, mas tem que fingir que é difícil (a imensa maioria das mulheres continua com pavor de ser rotulada de 'fácil'). 

Adora tomar um banho demorado, mas se contém pra não desperdiçar os recursos do planeta./ 

Tem vontade de ficar em casa vendo um dvd, esparramada no sofá, mas se obriga a ir malhar./ 

E por aí vai. 

Tantos deveres, tanta preocupação em 'acertar', tanto empenho em passar na vida sem pegar recuperação... 
Aí a vida vai ficando sem tempero, politicamente correta e existencialmente sem-graça, enquanto a gente vai ficando melancolicamente sem tesão... 

Às vezes dá vontade de fazer tudo “errado”. 
Deixar de lado a régua, o compasso, a bússola, a balança e os 10 mandamentos. 
Ser ridícula, inadequada, incoerente e não estar nem aí pro que dizem e o que pensam a nosso respeito. 
Recusar prazeres incompletos e meias porções. 

Nós, que não aspiramos à santidade e estamos aqui de passagem, podemos (devemos?) desejar várias bolas de sorvete, bombons de muitos sabores, vários beijos bem dados, a água batendo sem pressa no corpo, o coração saciado.

Um dia a gente cria juízo. 
Um dia... 
Não tem que ser agora.

Por isso, garçom, por favor, me traga: cinco bolas de sorvete de chocolate... 
Depois a gente vê como é que faz pra consertar o estrago.

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